sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Papo aberto e muita informação sobre proibição e legalização.(Parte 4)

Comprar droga é crime?


Não é difícil entender por que matar é crime. O mal que um assassino faz a outra pessoa é evidente. Puni-lo obedece a uma lógica simples. Mas, quando alguém toma droga, só faz mal a si mesmo. Então por que prender? O Estado entende que o indivíduo não sabe o que é bom para sua saúde e limita seu direito de decidir o que fazer. Tira a liberdade do cidadão antes que ele perca sua liberdade porque virou um viciado, explica o advogado criminalista Miguel Reale Jr., ex-ministro da Justiça e exchefe da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad). Para Reale, o Estado trata as drogas da mesma maneira que o cinto de segurança: cria uma lei com o objetivo de proteger o cidadão de si mesmo. O problema é que o risco diz respeito à minoria. Segundo o relatório de drogas publicado pela ONU este ano, cerca de 200 milhões de pessoas usam drogas no mundo. Apenas um oitavo delas tem problemas de dependência. Para os outros sete oitavos de usuários ocasionais, a lei é mais perigosa que a droga. Mesmo no Brasil, onde não está mais prevista a pena de prisão, quem for flagrado com maconha ou ecstasy e condenado como usuário passará a ter uma ficha criminal e perderá os benefícios concedidos aos réus primários. Isso só serve para estigmatizar e dificultar a vida da pessoa. Fica difícil, por exemplo, arrumar um emprego, diz Reale, defensor da idéia de que o uso de drogas não deva ser considerado crime. Os críticos da descriminalização acreditam que ela pode aumentar o número de usuários ou a intensidade com que eles se drogam. Essa situação, porém, não aconteceu em nenhum dos países que adotaram a política. Na Itália e na Espanha, o consumo de heroína aumentou, é verdade. Mas na mesma intensidade que na Alemanha, que continuou punindo usuários. Por trás dessa equação estão evidências de que a punição do usuário não desestimula significativamente o consumo. Se por um lado o medo de ser pego afasta alguns, a imagem do fruto proibido alicia outros, principalmente jovens. Para os americanos Robert MacCoun e Peter Reuter, autores de Drug War Heresies (Heresias na Guerra das Drogas, sem edição no Brasil), mudanças na repressão ao usuário podem ter conseqüências surpreendentemente pequenas. Em outras palavras: legalizar a venda aumenta o consumo. Mas proibir o consumo não serve para reduzi-lo. No caso do dependente, a punição ao usuário é ainda mais contraditória. A compulsão por uma nova dose é maior do que a capacidade de controlar esse impulso. E o que reduz mais os custos sociais: cadeia ou tratamento médico? A Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo, defende que a droga seja combatida, mas punir o usuário não traz vantagens para a sociedade. Quando alguém decide usar cocaína, não decide ser criminoso. É a sociedade que o empurra para a margem. E isso, sim, é perigoso, porque ele sai do controle social, diz Mônica Gorgulho, da Associação Internacional de Redução de Danos, que defende o fim das punições para usuários de drogas. A política de não punir o usuário criminalmente hoje é aplicada em países como Portugal, Espanha, Bélgica e Finlândia. A nova lei de drogas brasileira, que entrou em vigor no ano passado, também avançou nessa direção, mas não estabelece uma quantidade para distinguir usuários e traficantes, como acontece na Europa. Para o usuário ocasional, a vantagem é não correr o risco de ser preso. Para o dependente, é poder lutar por um tratamento, diz o psiquiatra Dartiu Xavier, da Unifesp. Para quem não usa drogas, o benefício está na diminuição do tabu sobre o tema. Hoje, políticas de redução de dano aquelas que partem do princípio de que drogas são consumidas e devemos trabalhar para elas fazerem menos mal estão praticamente congeladas. Desde o fim dos anos 90 o governo federal não faz mais campanhas de esclarecimento sobre uso de drogas porque acha que falar sobre isso aumenta a curiosidade e o consumo. Isso é medieval, é apostar na desinformação, diz Walter Maierovitch, juiz aposentado e primeiro titular da Senad. Para onde vai esse barato? No que depender dos EUA, a proibição total das drogas vai continuar sendo a política dominante. A estratégia para o ano que vem é a mesma dos últimos 100 anos: guerra. Em 2008, o conflito terá orçamento de US$ 13 bilhões. Desse total, 65% combaterão o tráfico a prevenção do consumo levará apenas 12% do bolo. Apesar de alguns países europeus adotarem políticas mais tolerantes com os usuários, ninguém por lá parece querer comprar briga séria com os americanos. A convenção da ONU de 1961 continua reinando, e a legalização não está na pauta de qualquer país. Até mesmo a Holanda atualmente trabalha para diminuir a ação dos koffeshops, sob pressão de países vizinhos e de um governo conservador. No Brasil, caminhamos em outra direção. A legislação hoje está se abrandando. Nossa política está orientada para diminuir as punições ao uso de drogas, diz o general Paulo Uchoa, chefe da Senad. Apesar de ser contra a descriminalização e a legalização, ele diz o que muitos de seus opositores gostariam de ouvir. A meta não é erradicar o consumo, mas que ele seja feito com responsabilidade, diz. Até o nome da secretaria está de mudança: o confrontador antidrogas dará lugar a um conciliador sobre drogas.
Mas ainda falta uma coisa fundamental para a formulação de qualquer política pública nacional: informação. A gente precisa levantar dados a partir de modelos científicos sérios. Sem essa visão, a discussão fica baseada no chute, diz Nanci Cárdia, do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Para levantar dados sobre a violência derivada do tráfico, por exemplo, a gente depende da polícia. Mas é muito difícil ter essa colaboração. Por incrível que pareça, nem o Ministério da Saúde nem o Ministério da Justiça, duas pastas diretamente afetadas pela questão, possuem qualquer estudo sobre o impacto das drogas no seu orçamento, o que mostra como o Brasil ainda está longe de compreender a dinâmica e o tamanho do problema. A falta de preparo das nossas instituições fez até Fernando Gabeira, histórico defensor da legalização, mudar de lado. A maconha deve ser legalizada, mas só quando o Estado estiver preparado para isso. Não é possível conduzir a legalização sem uma polícia eficaz, afirma. Quanto a legalizar outras drogas, a decisão deve depender da experiência com a maconha. Para Gabeira, a polícia é tão importante nessa equação porque legalizar não é uma renúncia ao controle, mas um salto de qualidade no controle. É importante, porém, não cair no histórico equívoco brasileiro de acreditar que mudar a lei é solução para todos os problemas. Independentemente de proibir, legalizar ou descriminalizar, a melhora da segurança urbana pode ser alcançadas com ações sociais consistentes. A Colômbia, por exemplo, usou essa estratégia para se afastar dos tempos em que era conhecida por Locômbia. Nas comunidades pobres de Medellín, onde Pablo Escobar já foi rei, alguns índices que medem a violência caíram 70%. Como eles fizeram isso? Oferecendo água potável, luz elétrica, esgoto, transporte público, projetos educativos e profissionalizantes para populações carentes. O governador Sérgio Cabral Filho foi ao país andino conhecer essas ações. Prometeu se inspirar nos trabalhos realizados e apresentou projetos para isso. Até o momento, porém, a ação mais notável de sua administração foi uma guerra de mais de 60 dias no Complexo do Alemão, uma das maiores favelas do Rio de Janeiro. Na troca de tiros, 44 pessoas morreram. Outros 56 mil moradores tiveram sua rotina interrompida: uns não puderam ir ao trabalho, outros foram, mas tiveram medo de voltar, quase todos perderam o sono com os tiroteios. Os maiores prejudicados pelo conflito foram os que nada tinham a ver com o tráfico. Como a maior parte dos habitantes deste planeta, faziam parte de um contingente que, se não fosse a vizinhança, resumiria sua relação com as drogas ao cafezinho que acompanha o pão com manteiga de manhã. Maconha de farmárcia Proibição mantém milhões de doentes afastados da maconha medicinal. As propriedades terapêuticas da Cannabis sativa são conhecidas há mais de 2 mil anos pela medicina chinesa. Para a medicina ocidental, ela é comprovadamente eficiente para tratar náusea e vômitos em pacientes sob quimioterapia, aumentar o apetite em pacientes de aids e diminuir as dores musculares causadas pela esclerose múltipla. Mas a lei diz que tudo isso pouco importa: usar Cannabis é crime. E ponto final. Apesar dos efeitos médicos comprovados, o acesso à maconha medicinal ainda é muito restrito.Os remédios à base de Cannabis que existem hoje a Nabilona e o Marinol não são muito eficientes porque o THC, que resolve a náusea, também é responsável pelo barato da maconha. Para evitar que o uso do remédio seja confundido com a droga, a concentração de THC é reduzida e o efeito terapêutico também. Além disso, pacientes dizem que fumar a erva é o melhor remédio. Mas não tem sido fácil mudar a lei para conquistar esse direito, porque a maioria dos países tem medo de que autorizar o uso medicinal pode ser o primeiro passo para permitir também o uso recreativo.Até agora, o único país que deu esse passo foi o Canadá, que autoriza o fumo e ainda garante o acesso à droga. O próprio sistema público de saúde oferece a erva ou sementes, se os doentes preferirem plantar o remédio. Antes, eles precisam provar que precisam do tratamento. Já os hospitais conseguem a droga com empresas autorizadas a produzir exclusivamente para o governo. Leis parecidas também passaram em 11 estados americanos. Só que a lei federal americana considera todas inconstitucionais. Sim, é uma confusão. Na prática, o FBI tem direito de prender qualquer um por uso, produção ou venda de maconha.

Para saber mais: Rethinking Our War on Drugs: Candid Talk About Controversial Issues, Gary Fisher, Praeger Publishing, EUA, 2006. Legalize This!: The Case for Descriminalizing Drugs, Douglas N. Husak, Verso, EUA, 2002. Drug War Heresies: Learning From Other Vices, Times and Places, Robert J. MacCoun e Peter Reuter, Cambridge Press, EUA, 2001. Addiction: from Biology to Drug Policy, Avram Goldstein, Oxford, EUA, 2001.

Mas ainda falta uma coisa fundamental para a formulação de qualquer política pública nacional: informação. A gente precisa levantar dados a partir de modelos científicos sérios. Sem essa visão, a discussão fica baseada no chute, diz Nanci Cárdia, do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Para levantar dados sobre a violência derivada do tráfico, por exemplo, a gente depende da polícia. Mas é muito difícil ter essa colaboração. Por incrível que pareça, nem o Ministério da Saúde nem o Ministério da Justiça, duas pastas diretamente afetadas pela questão, possuem qualquer estudo sobre o impacto das drogas no seu orçamento, o que mostra como o Brasil ainda está longe de compreender a dinâmica e o tamanho do problema. A falta de preparo das nossas instituições fez até Fernando Gabeira, histórico defensor da legalização, mudar de lado. A maconha deve ser legalizada, mas só quando o Estado estiver preparado para isso. Não é possível conduzir a legalização sem uma polícia eficaz, afirma. Quanto a legalizar outras drogas, a decisão deve depender da experiência com a maconha. Para Gabeira, a polícia é tão importante nessa equação porque legalizar não é uma renúncia ao controle, mas um salto de qualidade no controle. É importante, porém, não cair no histórico equívoco brasileiro de acreditar que mudar a lei é solução para todos os problemas. Independentemente de proibir, legalizar ou descriminalizar, a melhora da segurança urbana pode ser alcançadas com ações sociais consistentes. A Colômbia, por exemplo, usou essa estratégia para se afastar dos tempos em que era conhecida por Locômbia. Nas comunidades pobres de Medellín, onde Pablo Escobar já foi rei, alguns índices que medem a violência caíram 70%. Como eles fizeram isso? Oferecendo água potável, luz elétrica, esgoto, transporte público, projetos educativos e profissionalizantes para populações carentes. O governador Sérgio Cabral Filho foi ao país andino conhecer essas ações. Prometeu se inspirar nos trabalhos realizados e apresentou projetos para isso. Até o momento, porém, a ação mais notável de sua administração foi uma guerra de mais de 60 dias no Complexo do Alemão, uma das maiores favelas do Rio de Janeiro. Na troca de tiros, 44 pessoas morreram. Outros 56 mil moradores tiveram sua rotina interrompida: uns não puderam ir ao trabalho, outros foram, mas tiveram medo de voltar, quase todos perderam o sono com os tiroteios. Os maiores prejudicados pelo conflito foram os que nada tinham a ver com o tráfico. Como a maior parte dos habitantes deste planeta, faziam parte de um contingente que, se não fosse a vizinhança, resumiria sua relação com as drogas ao cafezinho que acompanha o pão com manteiga de manhã.


Próxima semana, último capítulo: "Maconha de farmácia"
Não percam!


Um comentário:

doutoramento disse...

obrigado por esta publicação!!