quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Quem conhece o passado, vê melhor o futuro...


Por: Marcos Fernando (Leitor e parceiro do blog)



Bem, vou contar aqui uma história que talvez muitos não saibam:

Nas primeiras décadas do século XX, a maconha era liberada, embora muita gente a visse com maus olhos. Aqui no Brasil, maconha era "coisa de negro", fumada nos terreiros de candomblé para facilitar a incorporação e nos confins do país por agricultores depois do trabalho. Na Europa, ela era associada aos imigrantes árabes e indianos e aos incômodos intelectuais boêmios. Nos EUA quem fumava eram os cada vez mais numerosos mexicanos - meio milhão deles cruzaram o Rio Grande entre 1915 e 1930 em busca de trabalho. Muitos não acharam. Ou seja, em boa parte do Ocidente fumar maconha era relegado a classes marginalizadas e visto com antipatia pela classe média branca.Pouca gente sabia, entretanto, que a mesma planta que fornecia fumo às classes baixas tinha enorme importância econômica. Dezenas de remédios - de xaropes para tosse a pílulas para dormir - continham 'cannabis'. Quase toda a produção de papel usava como matéria-prima a fibra do cânhamo, retirada do caule do pé de maconha. A indústria de tecidos também dependia da 'cannabis' - o tecido de cânhamo era muito difundido, especialmente para fazer cordas, velas de barco, redes de pesca e outros produtos que exigissem um material muito resistente. A Ford estava desenvolvendo combustíveis e plásticos feitos a partir do óleo da semente de maconha. As plantações de cânhamo tomavam áreas imensas na Europa e nos EUA.Em 1920, sob pressão de grupos religiosos protestantes, os EUA decretaram a proibição da produção e da comercialização de bebidas alcoólicas. Era a Lei Seca, que durou até 1933. Foi aí que Henry Anslinger surgiu na vida pública americana - ele reprimiu o tráfico de rum que vinha das Bahamas. Foi aí, também, que a maconha entrou na vida de muita gente - e não só dos mexicanos. "A proibição do álcool foi o estopim para o 'boom' da maconha", afirma o historiador inglês Richard Davenport-Hines, especialista na história dos narcóticos, em seu livro 'The Pursuit of Oblivion' ('A busca do esquecimento', ainda sem versão para o Brasil). "Na medida em que ficou mais difícil obter bebidas alcoólicas e elas ficaram mais caras e piores, pequenos cafés que vendiam maconha começaram a proliferar", escreveu.Anslinger, o que proibiu o rum, foi promovido a chefe da Divisão de Controle Estrangeiro do Comitê de Proibição, e sua tarefa era cuidar do contrabando de bebidas. Foi nessa época que ele percebeu o clima de antipatia contra a maconha que tomava a nação. Clima esse que só piorou com a quebra da Bolsa, em 1929, que afundou a nação numa recessão. No sul do país, corria o boato de que a droga dava força sobre-humana aos mexicanos, o que seria uma vantagem injusta na disputa pelos escassos empregos. A isso se somavam insinuações de que a droga induzia ao sexo promíscuo (muitos mexicanos talvez tivessem mais parceiros que um americano puritano médio, mas isso não tem nada a ver com a maconha) e ao crime (com a crise, a criminalidade aumentou entre os mexicanos pobres). Baseados nesses boatos, vários estados começaram a proibir a substância. Nessa época, a maconha virou a droga de escolha dos músicos de jazz, que afirmavam ficar mais criativos depois de fumar.Anslinger agarrou-se firme à bandeira proibicionista, batalhou para divulgar os mitos antimaconha e, em 1930, quando o Governo, preocupado com a cocaína e o ópio, criou o FBN (Federal Bureau of Narcotics, um escritório nos moldes do FBI para lidar com drogas), ele articulou para chefiá-lo. De repente, de um cargo burocrático obscuro, Anslinger passou a ser o responsável pela política de drogas do país. E, quanto mais substâncias fossem proibidas, mais poder ele teria.Mas é improvável que a cruzada fosse motivada apenas pela sede de poder. Outros interesses devem ter pesado!Anslinger era casado com a sobrinha de Andrew Mellon, dono da gigante petrolífera Gulf Oil e um dos principais investidores da igualmente gigante Du Pont. "A Du Pont foi uma das maiores responsáveis por orquestrar a destruição da indústria do cânhamo", afirma o escritor Jack Herer, em seu livro 'The Emperor Wears No Clothes' ('O imperador está nu', ainda sem tradução). Nos anos 20, a empresa desenvolvia vários produtos a partir do petróleo: aditivos para combustíveis, plásticos, fibras sintéticas como o náilon e processos químicos para a fabricação de papel feito de madeira. Esses produtos tinham uma coisa em comum: disputavam o mercado com o cânhamo. Seria um empurrão considerável para a nascente indústria de sintéticos, se as imensas lavouras de 'cannabis' fossem destruídas, tirando a fibra do cânhamo e o óleo da semente do mercado. "A maconha foi proibida por interesses econômicos, especialmente para abrir o mercado das fibras naturais para o náilon", afirma o jurista Wálter Maierovitch, especialista em tráfico de entorpecentes e ex-secretário nacional antidrogas.Anslinger tinha um aliado poderoso na guerra contra a maconha: William Randolph Hearst, dono de uma imensa rede de jornais. Hearst era a pessoa mais influente dos EUA. Milionário, comandava suas empresas de um castelo monumental na Califórnia, onde recebia artistas de Hollywood para passear pelo zoológico particular ou dar braçadas na piscina coberta adornada com estátuas gregas. Foi nele que Orson Welles se inspirou para criar o protagonista do filme 'Cidadão Kane'. Hearst sabidamente odiava mexicanos. Parte desse ódio talvez se devesse ao fato de que, durante a Revolução Mexicana de 1910, as tropas de Pancho Villa (que, aliás, faziam uso freqüente de maconha) desapropriaram uma enorme propriedade sua. Sim, Hearst era dono de terras e as usava para plantar eucaliptos e outras árvores para produzir papel. Ou seja, ele também tinha interesse em que a maconha americana fosse destruída - levando com ela a indústria de papel de cânhamo.Hearst iniciou, nos anos 30, uma intensa campanha contra a maconha. Seus jornais passaram a publicar seguidas matérias sobre a droga, às vezes afirmando que a maconha fazia os mexicanos estuprarem mulheres brancas, outras noticiando que 60% dos crimes eram cometidos sob efeito da droga (um número tirado sabe-se lá de onde). Nessa época, surgiu a história de que o fumo mata neurônios, um mito repetido até hoje. Foi Hearst que, se não inventou, ao menos popularizou o nome 'marijuana' (ele queria uma palavra que soasse bem hispânica, para permitir a associação direta entre a droga e os mexicanos). Anslinger era presença constante nos jornais de Hearst, onde contava suas histórias de terror. A opinião pública ficou apavorada. Em 1937, Anslinger foi ao Congresso dizer que, sob o efeito da maconha, "algumas pessoas embarcam numa raiva delirante e cometem crimes violentos". Os deputados votaram pela proibição do cultivo, da venda e do uso da 'cannabis', sem levar em conta as pesquisas que afirmavam que a substância era segura. Proibiu-se não apenas a droga, mas a planta. O homem simplesmente cassou o direito da espécie 'Cannabis sativa' de existir.Anslinger também atuou internacionalmente. Criou uma rede de espiões e passou a freqüentar as reuniões da Liga das Nações, antecessora da ONU, propondo tratados cada vez mais duros para reprimir o tráfico internacional. Também começou a encontrar líderes de vários países e a levar a eles os mesmos argumentos aterrorizantes que funcionaram com os americanos. Não foi difícil convencer os governos - já na década de 1920 o Brasil adotava leis federais antimaconha. A Europa também embarcou na onda proibicionista."A proibição das drogas serve aos governos, porque é uma forma de controle social das minorias", diz o cientista político Thiago Rodrigues, pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos. Funciona assim: maconha é coisa de mexicano, mexicanos são uma classe incômoda. "Como não é possível proibir alguém de ser mexicano, proíbe-se algo que seja típico dessa etnia", diz Thiago. Assim, é possível manter sob controle todos os mexicanos - eles estarão sempre ameaçados de cadeia. Por isso a proibição da maconha fez tanto sucesso no mundo. O governo brasileiro achou ótimo mais esse instrumento para manter os negros sob controle. Os europeus também adoraram poder enquadrar seus imigrantes.A proibição virou uma forma de controle internacional por parte dos EUA, especialmente depois de 1961, quando uma convenção da ONU determinou que as drogas são ruins para a saúde e o bem-estar da humanidade e, portanto, eram necessárias ações coordenadas e universais para reprimir seu uso. "Isso abriu espaço para intervenções militares americanas", diz Maierovitch. "Virou um pretexto oportuno para que os americanos possam entrar em outros países e exercer os seus interesses econômicos." (Vide Colômbia!)Estava erguida uma estrutura mundial interessada em manter as drogas na ilegalidade, a maconha entre elas. Um ano depois, em 1962, o presidente John Kennedy demitiu Anslinger - depois de nada menos que 32 anos à frente do FBN. Um grupo formado para analisar os efeitos da droga concluiu que os riscos da maconha eram exagerados e que a tese de que ela levava a drogas mais pesadas era furada. Mas não veio a descriminalização. Pelo contrário. O presidente Richard Nixon endureceu mais a lei, declarou "guerra às drogas" e criou o DEA (em português, Escritório de Coação das Drogas), um órgão ainda mais poderoso que o FBN, porque, além de definir políticas, tem poder de polícia.Tudo que pensamos ser sem outras intenções, acabamos por saber que sempre estão ligados à economia, de alguma maneira, e à política, em todas!!!Itália: maconha poderá ser vendida como planta ornamentalA Suprema Corte italiana decidiu nessa quarta-feira, 1º/112007, que a maconha poderá ser vendida no país como planta ornamental. Para isso, deve ser cultivada em pequenas plantações, segundo a agência italiana Ansa.
E por que não proibem o álcool e o tabaco, que têm muito mais efeitos nocivos???
Um abraço!!!

2 comentários:

Stigger disse...

O texto saiu dobrado, meu amigo, mas muito bom o tópico.

Informativo ao extremo.

Unknown disse...

Essa história é foda. Quando na Liga das Nações estava em pauta a proibição somente do ópio e da cocaína, o delegado do Brasil disse que a maconha também deveria entrar na proibição pois no Brasil era causa de tantos problemas quanto o ópio (ópio, pode isso?). O poder cega!
A respeito das mentiras do governo estadunidense, no documentário "Grass", produzido por o New York Times, que chegou por aqui por intermédio da "Superinterressante", têm vários videos da época ilustranto esses efeitos macabros da cannabis.
texto massa, veleu